liberdade

liberdade
voar,voar...

segunda-feira, 10 de maio de 2010

IDENTIFICAÇÃO

Quando fui uma criança,
meu mundo era outro...
feito de poucas pessoas
e muita imaginação,
repleto de sonhos,
canções, rodas, danças -
brinquedos,
livros e disquinhos de histórias,
jogo de vareta, de memória...
pegador,pique-latinha,
esconde-esconde,
e um monte,
um monte,
de esperanças...

Crises de bronquite,
amidalite, gripe.
Malditas e infindáveis injeções
e vacinas...
Pra mim,
tortura e chacina!

Ir na marra ao dentista,
implorar pra ir na chácara,
no carnaval,
no rio,
sítio,
e piscina...

Meu corpo também era outro,
bem menor do que tenho agora.
E, nele, as emoções
e as questões,
eram gigantes
que me tomavam
em seus braços e me levavam-
pra cima e pra baixo,
pra fora e pra dentro,
pra dor e pro amor...
pro riso e pro choro,
pra euforia e pro desespero:
uma boneca quebrada,
um irmão pentelho,
pais que esbravejavam,
uma prima mais bonita e arrumada,
a falta de um enfeite no cabelo...

Tudo era tão intenso,
vivo
e presente!
Parecia tão perene...

Qual nada!
Cresci mais um tantinho
e virei adolescente!
Quase derepente!

Que novela mexicana!
Haja drama:
" Ela ganhou um presente mais caro!"
"Ele comeu um bife maior!"
"Papai vai saber!"
"Vou contar pra mamãe"
"Me dá...é meu..."
"Você vai ver..."

Dê-lhe choros,
berros,
socos,
palavrões,
provocações...
Era de praxe eu ficar empacada,
emburrada,
de cara amarrada...

E dê-lhe sermões,
surras,
puxões de orelha,
palmadas,
beliscões...

O mundo foi então
crescendo comigo,
junto com todos os sins,
talvez e nãos.

Vieram os
professores,
grupos,
amigos,
turmas,
paqueras,
ídolos,
...
estudos,
esportes,
romances,
sexualidade,
festas,
...
bares,
cigarro,
bebida,
carro...
mil coisas a surgir!
As tais responsabilidades...
Não tinha mais tempo
nem vontade de dormir.

De novo,
derepente me avisaram
que já era adulta !

Tinha que ser assim e assado,
fazer isso e aquilo ...
um crime TENTAR
pensar,
sentir,
querer,
fazer,
SER diferente!

Um inferno,
interno e externo!
Quase tinha que exorcizar!

Era pra formar,
trabalhar,
dar duro,
ralar...
ganhar dinheiro,
economizar e
pensar no futuro.
Não podia mais nem engordar...
Tinha que ser magra,
séria,
inteligente,
bem-humorada,
atraente,
educada
e culta!
SEMPRE!

O roteiro,
as regras,
o script-
tudo já vinha pronto!
Era só obedecer e seguir...

Ah,
escolher meu bendito ofício,
naõ ter vício,
fazer sacrifício,
(tudo-credo- tão difícil!)

Não esbravejar,
naõ esmorecer,
amar,
não responder,
rezar,
confessar,
comungar,
ajudar em casa,
ter o tal do juízo (?)
e não ser oferecida,
assanhada,
atrevida-
ou qualquer coisa parecida.

Fazer como fulana,
ser como beltrana
ouvir sicrana...
visitar não sei quem,
não falar não sei o quê,
não perguntar porquê,
fingir que tá tudo bem,
e, ainda por cima,
não mentir-
e não pecar também...

Queriam,
consciente
ou inconscientemente,
me matar definitivamente!!!

O mundo então ficou mais duro!
Mais perigoso,mais
desconhecido e
inseguro!

E eu tinha que dançar
conforme a música que os outros tocavam...
viver no ritmo alheio,
importar com o que falavam...
Saber tudo decor!
Terrível!!!

Também tinha que brilhar,
ser bem sucedida,
formar,
ser imaculada, falsa,
dissimulada,
interesseira e calculada-
sem,claro, demonstrar!
Ensaiar o que dizer,
o que vestir,
como comportar...
Resistir às tentações...

Ser espontânea???
JAMAIS!!!

Ah,
e nunca, NUNCA explodir!

Era pedir demais!

Cristo, valhei-me!!!
Crescer foi uma luta,
uma guerra cruel
onde a lei era ser
a mim mesma
totalmente
e continua
e constantemente,
infiel...

Imposições e mais imposições,
cobranças,
pressões,
exigências,
projeções,
introjeções,
transferências...
delícias pra levar
aos borbotões,
anos depois,
pras "n" seções de terapias...

Enfim,
ufa!
Sabe Deus como,
cheguei aqui!
Estou onde estou!
Sou o que sou!

20 anos pra me fazer adulta,
20 anos pra me desfazer dessa louca armadura e armadilha-
pra me desvencilhar
de tanta receita, teoria,esquema,
meleca,estrategema.
7 pra renascer, fluir e brindar!

Total:47
Campeã das milhares de vêzes em que me perdi de mim
Miss eterna do meu universo côncavo e convexo
Modelo supremo de ser eu mesma.
Atriz, mãe, poetisa,autora, escritora,terapeuta,arteira e artista!
Vencedora de centenas de "big brothers" reais:
recebendo meus milhões em forma de profundas respirações...
Sobrevivente do holocausto familiar-religioso-cultural-social dos seres,
de sua essência e natureza.

O mundo virou cósmico, então!
Minhas personalidades,
sempre pequenas,
como todas são,
parecendo adultas ou não,
desapareceram entre sóis e estrelas...

Esse eu de quem falo
é apenas uma pálida manifestação,
um personagem
criado pela mente
que nunca conteve,
não contém ,
e nunca conterá
TUDO QUE EU SOU REALMENTE...
É apenas uma breve,
muito,muito breve
identificação!












Nenhum comentário:

Postar um comentário